Há, atualmente, poucas dúvidas de que Bolsonaro foi mais um projeto das Forças Armadas para “salvar o Brasil”. O primeiro foi a malograda proclamação da república que hoje se “comemora”. A lenda de que Bolsonaro foi eleito graças à incansável atuação nas redes sociais de seus filhos, sobretudo o bipolar 02, o Carlos, e correligionários não se sustenta diante das evidências de participação maciça de militares de todos os escalões no processo de alavancagem da candidatura Bolsonaro. Daí a dificuldade das Forças Armadas de abandonar o navio, mesmo diante do fato incontestável de que a embarcação vem fazendo água.
O primeiro objetivo traçado pelo projeto foi efetivamente alcançado, ou seja, colocar a última pá de cal nos governos do PT que, diga-se de passagem, cavou sua própria sepultura. A busca pela concretização do segundo teve início promissor, isto é, cingir Bolsonaro, a começar pelo Vice-Presidente, por um cinturão de militares do alto escalão no intuito de monitorá-lo. Esqueceram-se, no entanto, de que o capitão passou a brandir a “caneta BIC” e sucederam-se as humilhantes demissões de oficiais generais que não compactuavam com seus propósitos e os de seus filhos. Apesar do ainda considerável número de militares no Governo, os últimos quadros têm sido convocados a fim de tapar buracos, como é o caso do General Pazuello, à frente do Ministério da Saúde. Bolsonaro pode contar, assim, decantando sua condição de Chefe Supremo das Forças Armadas, com o proverbial apego da caserna à obediência, em oposição a eventuais insubordinações de civis como as de Luiz Mandetta e Nelson Teich nos episódios do isolamento social, uso de máscara e utilização indiscriminada de cloroquina.
Quanto aos demais objetivos, sobretudo o combate à corrupção e o choque de liberalismo a ser aplicado na economia do país, emblematizados por Sérgio Moro e Paulo Guedes, frustraram-se. O primeiro, em virtude da necessidade de defender o filho 01, o Flávio, acusado de corrupção no caso das rachadinhas, o que motivou a tentativa de Bolsonaro de interferir na PF e a consequente demissão do Ministro da Justiça, bem como do seu inesperado apelo ao Centrão, a fim de garantir um mínimo de governabilidade, apregoando, inclusive, o fim da Lava-Jato. O segundo, diante da criação de auxílios emergenciais destinados a atender à população mais carente e a minorar os efeitos da pandemia, o que fortaleceu a constatação de Bolsonaro de que gastos assistenciais representam passaporte seguro para o incremento da sua popularidade. O Posto Ipiranga bifurca-se, portanto, entre o compromisso de manter os propósitos liberais e os ímpetos eleitoreiros do Chefe.
As agendas presidencial e a das Forças Armadas distanciam-se, assim, cada vez mais e recentes confrontos, como a desautorização pública de Pazuello, o codinome de “Maria Fofoca” atribuído por Ricardo Salles, um dos representantes do núcleo ideológico, ao General Luiz Eduardo Ramos, a “guerra da pólvora”, bem como as recentes declarações de chefes militares sobre o caráter a atribuições das Forças Armadas não passam de indícios de uma divergência que se processa a níveis bem mais profundos.
Brasília, 15 de novembro de 2020