Existe substancial distinção entre evidências anedóticas e evidências científicas. Para quem não sabe o que significam, permita-me esclarecer, não para demonstrar erudição, mas para ilustrar um ponto de vista. Evidência anedótica: um amigo contrai Covid-19, é acometido por leve dor de cabeça, tosse seca e, em duas semanas, está curado. Conclui-se que a enfermidade é uma simples “gripezinha”. Evidência científica: cientistas e pesquisadores analisam uma gama de infectados e constatam que cada organismo responde diferentemente ao vírus que, sim, pode levar a óbito. Trata-se, portanto, de uma doença grave e potencialmente letal.
Infelizmente, o governo brasileiro move-se por evidências anedóticas. Emblemático, no âmbito dos direitos humanos e das mulheres, é o caso de meninas sem calcinha estupradas na Ilha de Marajó, diante do qual a ministra da pasta deduz que a ausência de roupa íntima é a razão pela qual são violentadas. Planeja-se a instalação de uma fábrica de lingerie na ilha! Na área de preservação ambiental, os indígenas trocam seus produtos por bens de que necessitam e o Presidente da República considera fator de desmatamento da Amazônia o sofisma de que os nativos escambam toras de madeira por cerveja e coca-cola. Distribuir chope e refrigerante aos índios, a fim de prevenir a devastação da floresta?
São exemplos tragicômicos que se multiplicam em outras áreas, como na educação, na cultura, nas relações exteriores, na política de armas, no trânsito etc. A situação se agrava quando as evidências anedóticas se cruzam com teorias conspiratórias e o viés da confirmação, ou seja, a busca por opiniões que apenas confirmem ideias preconcebidas, eliminando-se o raciocínio e o contraditório. São paradigmas mentais simplórios e toscos, perigosos e nocivos quando acometem governantes e instâncias decisórias, pois afetam a capacidade de pensar, decidir e agir. Demonstram a falta de intelecto, de educação, de cultura, enfim, de conhecimento de mundo dos que os adotam, sem falar que armam-lhes arapucas a cada encruzilhada do caminho.
22 de novembro de 2020