Capitães do Mato

A escolha de dirigentes, por parte de Bolsonaro, para comandar setores que deseja reestruturar, utilizando métricas ideológicas e suas convicções, tem sido ineficaz ou produzido resultados desastrosos.  Na área da educação foram quatro, Ricardo Vélez, Abraham Weintraub, Carlos Alberto Decotelli, “o Breve”, e Milton Ribeiro.  Na saúde, três, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, demitidos por insubordinação, e Eduardo Pazuello.  Na área dos direitos humanos, Damares Alves, e, nas relações exteriores, Ernesto Araújo. No meio ambiente, Ricardo Salles. A campeã no rodízio das cadeiras é a cultura, absurdamente reduzida a secretaria do Ministério do Turismo (!), com Henrique Pires, Ricardo Braga, Roberto Alvim, o “Goebbels do Planalto”, Regina Duarte, a “Namoradinha do Brasil”, e o “Ex-Malhação” Mário Frias. Resta mencionar a Fundação Cultural Palmares onde Sérgio Camargo tenta referendar a tese do Presidente de que no Brasil não há racismo. 

As nomeações dos personagens acima citados não obedecem a critérios de notório saber nas respectivas áreas, especiais pendores reformistas ou reconhecida experiência em gestão.  Basta aos ungidos apresentarem compatibilidade ideológica e comunhão de ideias com Bolsonaro ou apenas disposição para não contrariá-lo – “um manda e o outro obedece”, segundo o Ministro da Saúde. São capitães do mato que se limitaram a demitir petistas da administração pública e a desconstruir os setores que comandam, sem serem capazes de cumprir as missões de moldá-los à imagem e semelhança do mandachuva.

O meio ambiente é uma rara exceção, onde Ricardo Salles vem “passando a boiada”, ou seja, tem demolido os alicerces da política preservacionista, de acordo com a insistência presidencial de negar as mudanças climáticas, apesar das evidências em contrário. Os resultados têm sido catastróficos, ao promover a devastação de biomas nacionais e o descrédito do Brasil no plano internacional, ameaçando as exportações brasileiras de produtos agropecuários, alicerce da economia nacional. 

Na saúde, os decantados dotes de estrategista do General Pazuello acabam de ser desacreditados diante do abandono pelo Ministério da Saúde, em plena pandemia, de 6,8 milhões de testes de detecção do covid-19 num armazém em Guarulhos, descobertos por acaso com data de validade próxima ao vencimento.  Por mais que se esmere e suporte humilhações, o militar não consegue, ademais, executar a agenda do Presidente de desacreditar os protocolos da OMS para prevenir o vírus, bem como disseminar o uso da cloroquina que chegou a liberar, contra todas as comprovações científicas.

No ensino, a condução do setor assumiu caráter doutrinário. Definiu-se um bode expiatório: Paulo Freire, o internacionalmente reconhecido pedagogo brasileiro, Patrono da Educação.  Logo, iniciou-se a satanização, por subversiva, da sua metodologia, aplicada em vários países, inclusive nos Estados Unidos, e financiada, a certa altura, pela Aliança para o Progresso.  Paralisou-se o setor, sem que os quatro titulares tenham apresentado sequer um esboço de novas diretrizes ou alternativas válidas. 

Na cultura, evita-se, tendo em vista a impopularidade e o ônus político da medida, a censura explícita de manifestações artísticas de esquerda ou que “atentam contra a moral”. Optam, então, pela estigmatização da Ancine, suposto agente do marxismo cultural, que passa a ser desmantelada.  Retira-se o sofá da sala, diante da impossibilidade de convencer os cineastas a só produzirem roteiros bíblicos, patrióticos e de promoção dos “bons costumes”. 

Em áreas de menor impacto, como no trânsito, sob a batuta de Tarcísio de Freitas, um dos remanescentes das administrações petistas que se mantém no cargo graças aos obsequiosos serviços que presta, bem como no rearmamento da população, as novas normas, adotadas ao arrepio de órgãos técnicos, comprometem nitidamente a segurança pública.  São temas que merecem do Presidente da República, que joga para uma plateia radical, desmedida e injustificada atenção e na maneabilização dos quais os achismos implementados produzirão efeitos nocivos que só serão corrigidos por um Legislativo mais consciente e menos interessado em cargos e verbas.  Até lá, algumas vidas serão ceifadas.

Damares Alves e Ernesto de Araújo são capítulos a parte. 

Passe a Limpo, 29/11/2020

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