Algoritmo e Liberdade de Expressão

Levei muito tempo para entender o que é algoritmo e, até hoje, apesar das leituras que tenho feito sobre o assunto, creio que ainda não apreendi totalmente o que seja. Segundo a concisa definição do cientista social Naomi Cary, algoritmo “é uma sequência de ações ou conjunto de dados e regras estabelecidas por cada rede social” (1).  O que fica claro é que o algoritmo, em qualquer rede social, limita as postagens que você vê e lê e o número de pessoas que verão e lerão as suas.  A “censura” é feita através da catalogação de suas preferências, ou seja, quem são seus amigos, o que você gosta de ver ou ler, o que você curte e, mais importante para as redes, o que você compra.  É um “viés da confirmação” que o direciona de volta às suas preferências. O que me parece assustador é que o agrupamento dos dados e regras é feito, segundo Naomi Cary, por programadores, “na maioria europeus ou estadunidenses” (1), sem quaisquer preocupações com imprimir-lhes uma representação igualitária de gênero, raça, camada social ou credo político.

Logo, se você é cisgênero, branco, de classe média, de direita, crítico do PT e, ao mesmo tempo, contrário às boçalidades do Bolsonaro e sua política de desmanche do que ainda resta do país, após uma pandemia que ceifa 1.000 vidas por dia, você estará, certamente, lendo estas linhas no Facebook, assim como terei acesso às suas.  De fato, sou pouco lido e pouco leio, nas redes sociais, postagens publicadas por transgêneros (nenhuma; pelo menos, que eu saiba), negros, representantes das classes C e D (embora abundem nas redes), esquerdistas e bolsominions (tenho acesso a pouquíssimos; primeiro, porque muitos deixaram de postar, temerosos das investigações para detectar e criminalizar disseminadores de “fake news”, e, segundo, porque ainda não bloqueei os raros que restaram, apesar dos disparates e grosserias que publicam, que, confesso, me divertem ao invés de me indignarem e aos quais não me dou ao trabalho de responder). À primeira vista, a conclusão seria que as redes sociais são homofóbicas, racistas e elitistas, além de não respeitarem a pluralidade política. 

Não o são, porque não bloqueiam pessoas LGBTQI+, negros, brancos ou amarelos e representantes das classes menos favorecidas, além de aceitarem partidários dos mais variados espectros políticos, de monarquistas, como eu, a defensores dos aiatolás. Apenas limitam o que veem e leem e os que veem e leem suas postagens.  Assim, se você acredita que está fazendo prosélitos ou convencendo alguém dos seus pontos de vista, ao publicar matéria de cunho político, contra ou a favor de quem quer que seja, engana-se.  Primeiro, porque as lealdades estão bastante consolidadas, à esquerda ou à direita, contrárias ou favoráveis a uma gama de políticos, e, segundo, porque você está pregando mormente para correligionários que esperam ler exatamente aquilo que pensam. No máximo, você estará contribuindo para um melhor entendimento do cenário político.  Surge, então, o problema da liberdade de expressão, tão discutida quando do banimento de Donald Trump das redes sociais.  Sem querer me aprofundar nos meandros da questão, ouso colocar minha opinião de que as redes, empresas privadas como a maioria dos órgãos de imprensa, têm o direito e, certamente, o dever, em se tratando de matéria prejudicial, e.g., à saúde ou à democracia, de rotular publicações de insidiosas ou recusá-las, bem como de cancelar a participação de elementos nocivos à sociedade e à própria liberdade.

Recentemente, a colaboração de José Roberto Guzzo, um dos melhores jornalistas do país, à revista Veja, foi dispensada, após o colunista ter produzido matéria contrária à atuação do Supremo Tribunal Federal.  A meu ver, o caso não constitui censura, mas reafirmação da linha editorial da revista em defesa – hipócrita, alguns dirão – das instituições democráticas. Censura, segundo as melhores definições, seria a avalição, feita por censores, de produções artísticas, analíticas, informativas etc., baseada em critérios morais ou políticos, a fim de proibir sua exibição e divulgação ao público.  O resto seria autocensura, exercida de acordo com os interesses e critérios de cada um, como mudar de canal, quando o programa não lhe agrada.  

Indicadores Preconceituosos

“Um algoritmo de IA mal otimizado pode trazer sérios problemas jurídicos às empresas num futuro próximo.  Observa-se, em algumas aplicações, como o reconhecimento de voz e facial, claros identificadores preconceituosos, que generalizam raças humanas, não conferindo aos asiáticos, por exemplo, identificação racial própria, catalogando todos como “indivíduos do sudeste asiático”.  Imagine o exemplo acima, inconcebível aceitar que um sul coreano seja impedido por uma IA de adentrar um voo para Nova York por causa de um surto do vírus da gripe identificado em Tóquio, sendo o mesmo confundido com um cidadão japonês”.

Janildo Maia Azevedo de Souza, Mundo Precisa Resolver Desafio da Inteligência Artificial Deixado por 2020, Correio Braziliense, 26/01/2021

(1) Naomi Cary, Racismo Algorítmico:  a Inteligência Artificial a Serviço da Discriminação, Correio Braziliense, 23/01/2021

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *