A Nova Estrela do DEM

O DEM (Democratas) é o único partido efetiva e autenticamente de direita no espectro político brasileiro.  Origina-se do Partido Conservador que, no Segundo Império, reunia proprietários rurais, a burguesia e a alta hierarquia do serviço público. Sua força política concentrava-se nas províncias do Nordeste, enquanto a do opositor, o Partido Liberal, emanava das províncias do centro-sul, ordem que, prenunciando a dicotomia entre os interesses regionais, foi subvertida, a partir de 1980, pelo Partido dos Trabalhadores (PT).  Proclamada a República, em 1889, a Política dos Governadores impediu a formação de agremiações nacionais.  Conservadores e progressistas dispersaram-se, então, por partidos republicanos estaduais, entre os quais o paulista e o mineiro, sustentáculos da Política do Café-com-Leite que dominou o país até o advento, em 1930, da era Vargas.

A direita só retornou ao cenário político como partido em 1945 com a criação da União Democrática Nacional (UDN) que concorreu, sem êxito, com candidatos militares, às eleições presidenciais de 1945, 1950 e 1955. Sob a liderança do jornalista Carlos Lacerda, exerceu, ainda, papel preponderante no suicídio de Vargas (1954) e apoiou o golpe militar de 1964 que dissolveu as agremiações políticas e instituiu o bipartidarismo.  A direita migrou, então, para a Aliança Renovadora Nacional (Arena) que, em oposição ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB), deu sustentação ao governo militar no Congresso Nacional. Após a redemocratização, a Arena foi rebatizada de Partido Democrático Social (PDS) que, por sua vez, deu origem, em 1985, ao Partido da Frente Liberal (PFL), o atual DEM que formou, juntamente com o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e o Cidadania, ex-Partido Popular Socialista (PPS), o maior bloco oposicionista aos governos Lula e Dilma. 

Vale mencionar que, após a dissidência do PFL, o restante do PDS formou o Partido Progressista Renovador (PPR), posteriormente denominado Partido Progressista Brasileiro (PPB) e Partido Progressista, o atual Progressistas (PP). Com lideranças significativas, como Roberto Campos, Antônio Delfim Neto, Francisco Dornelles, Jarbas Passarinho e Pratini de Moraes, o PP, que também abrigou Paulo Maluf, aliou-se, no entanto, ao PT, perdendo suas credenciais de partido de direita.  Envolveu-se, ademais, nos escândalos do Mensalão e do Petrolão.  Assim, é o partido com mais investigados na Operação Lava Jato.  Por outro lado, passou a integrar o Centrão, grupo amorfo de partidos sem ideologia especifica que negocia seu apoio ao Poder Executivo em troca de verbas e cargos que lhe permitam atender redes clientelistas.  O Deputado Arthur Lira (PP-AL) acaba de ser eleito Presidente da Câmara dos Deputados, graças à prática do “toma lá, dá cá” adotada entre o partido e o Presidente da República.  

Esta é, em resumo, uma resenha da direita brasileira de raiz. Não deve ser confundida com a autoproclamada extrema-direita “pitbull” ou de “mesa de bar” que se apoderou do nanico Partido Social Liberal (PSL) e elegeu, em 2018, a segunda maior bancada da Câmara do Deputados, na esteira da bem-sucedida candidatura do Capitão Jair Bolsonaro à Presidência da República. Seus membros são educados, cultos, elegantes no trato, respeitam as instituições democráticas, são financeiramente bem-sucedidos, tanto como profissionais liberais, quanto como empresários, a exemplo das principais lideranças do DEM, ou seja, Petrônio Portella, Aureliano Chaves, Marco Maciel (Vice-Presidente de Fernando Henrique Cardoso), Antônio Carlos Magalhães (apesar da truculência) e Jorge Bornhausen, entre outros. 

O DEM, que ocupou, nos últimos dois anos, as presidências, respectivamente, da Câmara dos Deputados e do Senado teve um desempenho promissor nas eleições municipais de 2020.  Foi o 5º partido mais votado, conquistando 5.199 vagas (7,62%), 459 de prefeitos, 442 de vice-prefeitos e 4.298 de vereadores. Elegeu, ademais, os prefeitos de 4 capitais estaduais, entre as quais o Rio de Janeiro.  Apresenta-se, assim, com capital político para pleitear um papel de destaque nas eleições presidenciais de 2022.  Especulou-se, inicialmente, que estaria articulando, através do Deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), ex-Presidente da Câmara dos Deputados, cujo candidato à sua sucessão foi derrotado pelo apaniguado de Bolsonaro, uma chapa independente com o Governador João Dória (PSDB-SP) ou o apresentador Luciano Huck (sem partido).  Contudo, o empenho de Davi Alcolumbre (DEM-AP), ex-Presidente do Senado, em eleger, com a “simpatia” do Planalto, o Senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), seu correligionário, para sucedê-lo, indica que o partido tem a intenção de alçar voos mais altos.

Não estaria descartada, assim, a composição de uma chapa puro sangue com Pacheco e Alcolumbre, que declinou uma vaga na Esplanada dos Ministérios, ou Luiz Henrique Mandetta, que, como Ministro da Saúde, bateu de frente com Bolsonaro, respectivamente, para a Presidência e a Vice-Presidência da República.  Detentor de uma carreira meteórica, de Deputado Federal a Presidente do Senado em apenas 7 anos, Rodrigo Pacheco, a nova estrela do DEM, é articulado, conforme seu discurso de posse – plataforma digna de candidato – o demonstrou, e elegeu Juscelino Kubitschek como patrono. Ostenta, ademais, os predicados, acima elencados, dos líderes de direita – os mesmos que faltam a Bolsonaro –, além dos decantados dotes inerentes aos políticos mineiros, a exemplo de Tancredo Neves, ou seja, a ambição, a paciência, a discrição e a inclinação ao diálogo, à negociação e à conciliação.  O confronto com Bolsonaro é uma simples questão de tempo. 

Entrementes, o primeiro passo para desacreditar o DEM e identificá-lo com o Centrão foi dado pelo governo com a nomeação para o Ministério da Cidadania do Deputado João Ramos (Republicanos-BA), amigo íntimo, pupilo e aliado de ACM Neto, presidente do partido, que nega ter indicado Ramos para o cargo.  Em entrevista concedida, antes da nomeação, aos repórteres Cássio Bruno e Ricardo Ferraz (Veja, edição 2725), ACM Neto declarou: “O que sempre digo para o Presidente Bolsonaro é que jamais falarei com ele sobre qualquer indicação para cargo nenhum.  E repito: me inclua fora do Centrão”.  Bolsonaro matou, assim, dois coelhos com uma só cajadada, ou seja, atendeu à voracidade do Centrão por cargos que administrem, no primeiro escalão, orçamentos bilionários – o Cidadania é responsável pelo Bolsa Família e pelo Auxílio Emergencial – e reforçou sua cruzada em prol da divisão do DEM e do PSDB, partidos capazes, como acima demonstrado, de apresentar candidaturas prejudiciais a seus planos de reeditar a polarização com o PT.  

Bolsonaro se esquece, no entanto, que muitos eleitores, que nele votaram, estariam dispostos a eleger Lula ou Haddad apenas para se verem livres dele.   Segundo uma amiga, que votou em Bolsonaro, o PT, apesar da roubalheira, fez, em 16 anos, menos mal ao Brasil do que Bolsonaro, em apenas 2.  De acordo com a última pesquisa de intenções de voto da XP-Ipespe, apenas 28% do eleitorado votaria atualmente em Bolsonaro, ou seja, 40,5 milhões de eleitores.  Um percentual significativo dos restantes 107,5 milhões talvez pensem exatamente igual à minha amiga. 

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