Tiro pela Culatra

Difícil interpretar as reais intenções do Ministro Edson Fachin ao anular, de forma monocrática, um lustro de diligências que instruíram julgamentos e levaram às condenações de Luiz Inácio Lula da Silva na 13ª Vara de Curitiba.  Ao arguir a competência do titular da Vara, o ex-juiz Sérgio Moro, Fachin remeteu os processos para a Justiça Federal de Brasília e restaurou, num passe de mágica, a elegibilidade de Lula.  Em princípio, me parece que o objetivo era salvar a Operação Lava Jato, da qual Fachin é relator e defensor, arquivando, por perda de objeto, o recurso da defesa de Lula sobre a suspeição de Moro.  O ex-juiz estaria, assim, a salvo de uma condenação por imparcialidade no julgamento do ex-Presidente e, por efeito dominó, de outros réus da Lava Jato. 

O tiro, no entanto, saiu pela culatra, graças à onipresente atuação de seu colega, o Ministro Gilmar Mendes, em prol de corruptos condenados.  Gilmar simplesmente pautou, na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, seu voto de condenação a Moro e levou, de lambuja, o apoio de Lewandowski, produzindo empate, uma vez que Fachin e Cármen Lúcia já haviam votado pelo arquivamento da denúncia.  O processo encontra-se, assim, nas mãos do quinto membro da Turma, o Ministro Kássio Nunes Marques, que, por ser novato, pediu vista, alegando desconhecimento da causa.  Marques, que foi nomeado por Bolsonaro, está, portanto, diante de uma escolha de Sofia. Ou vota pela suspeição de Moro e decreta oficialmente o fim da Lava Jato, provocando a revisão de outras condenações, de Eduardo Cunha a Sérgio Cabral, ou absolve Moro, desafeto de Bolsonaro e seu principal concorrente num eventual segundo turno das eleições de 2022, o que desagradaria seu patrono.  

Mas, a meu ver, a principal consequência da decisão de Fachin foi reeditar a polarização entre Lula e Bolsonaro. Frustrou, assim, os esforços que vêm sendo empreendidos, da centro-esquerda à centro-direita, de construir, para 2022, uma candidatura que represente os valores democráticos e demonstre responsabilidade social.  O país precisa ser liberado da incompetência, do ultraliberalismo, que, juntamente com a covid-19, paralisou a economia, e do ranço de autoritarismo do governo Bolsonaro.  Ao mesmo tempo, necessita ser resguardado da corrupção disseminada pelos governos petistas.  A possibilidade de Lula candidatar-se às próximas eleições não inviabiliza a terceira via, mas a torna mais difícil de ser costurada, tendo em vista a tendência do eleitorado à radicalização.  

A saída seria o plenário do STF restabelecer o status quo ante bellum, ou seja, repor tudo como dantes no quartel de Abrantes.  Anular a decisão de Fachin, enquanto Nunes Marques, a exemplo do que Gilmar Mendes já o fez (pediu vista do processo em dezembro de 2018 e somente agora o liberou), retém o voto sobre a suspeição de Moro por dois anos mais.  Por outro lado, os petistas temem que Nunes Marques, cujo desempenho, até agora, tem sido pífio, utilize o caso para estrear na Corte sob as luzes da ribalta, inocentando Moro, apesar de Bolsonaro, em defesa do que seria um bem maior, ou seja, o legado da Lava Jato.  De qualquer forma, o difícil mesmo será reverter a ficha limpa do Lula. 

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