Entre as diversas manchetes que anunciaram o nome de Ernesto Araújo, um inexperiente Ministro de Primeira Classe (equivalente a General de Divisão) da Carreira de Diplomata, para o Ministério das Relações Exteriores, a que melhor resumiu os motivos da escolha foi a do Jornal Estado de Minas: “A diplomacia brasileira deve dar uma guinada radical sob o comando de Ernesto Araújo, um diplomata de carreira modesta, que ganhou a confiança de Jair Bolsonaro por compartilhar de uma ideologia que prioriza o alinhamento com Washington e a oposição severa ao multilateralismo” (20/11/2018).
O Ministério das Relações Exteriores é uma espécie de carteira de investimentos, ou seja, reúne um grupo de ativos – no caso, ações a serem implementadas no âmbito da política externa – pertencente a um investidor – no caso, o Brasil. Ora, qualquer investidor medianamente inteligente sabe que é do seu interesse diversificar as aplicações, ou, no jargão do mercado financeiro, jamais colocar todos os ovos numa única cesta. Trata-se de princípio válido nas relações exteriores, sobretudo porque o Brasil, após dois séculos de política externa responsável, é um “global player”, ou seja, interage (ou interagia) de forma equilibrada e respeitosa, mas não submissa, com seus parceiros internacionais.
Ernesto Araújo fez exatamente o contrário. Mais do que isso. Não só apostou todas as fichas em Donald Trump e, a exemplo do ex-presidente norte-americano, no antiglobalismo, como passou a apoiar os ataques de Jair Bolsonaro e de seus filhos contra – nada mais, nada menos – os principais parceiros comerciais do Brasil, a China, os Estados Unidos de Joe Biden, a Argentina, a França e, por extensão, a União Europeia. Demoliu, assim, tijolo por tijolo, uma tradição que angariou deferência e admiração internacional para a diplomacia brasileira. E o pior é que sua façanha não pode sequer ser atribuída a falta de formação profissional, uma vez que sentou os fundilhos nos bancos do Instituto Rio Branco e é, portanto, diplomata de carreira. Agiu, sobretudo, inspirado por um guru rastaquera, sediado nos Estados Unidos, e por oportunismo, no afã de agradar um Presidente que demonstrou entender de política externa tanto quanto o porteiro de qualquer Embaixada.
Eis onde mora a questão da experiência. O Itamaraty aceita, sem maiores problemas, Chanceleres que não pertençam à carreira – o mais notório, nos últimos tempos, foi Fernando Henrique Cardoso – assim como as Forças Armadas acolhem Ministros da Defesa que não sejam miliares. Mas, se o ungido é de carreira, deve ser Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário, o que equivale, de acordo com o Decreto nº 9.338, de 2018, sobre a ordem geral de precedência que Bolsonaro mandou às favas, a General de Exército. E não se trata somente de uma questão de hierarquia, pois o Chanceler comandará outros Embaixadores Extraordinários e Plenipotenciários espalhados por nossas Embaixadas, mas de experiência.
O diplomata, ao chegar a Chefe de Missão, percorreu um longo caminho que o coloca finalmente em contato com a cúpula da diplomacia mundial, ou seja, Chefes de Estado, de Governo e Chanceleres das nações junto às quais foi acreditado, Embaixadores estrangeiros, seus pares, que podem vir a ocupar cargos importantes nos respectivos países, altos funcionários de Organismos Internacionais, pessoas, enfim, que podem ajudá-lo na consecução de seus objetivos, caso venha a ser Ministro das Relações Exteriores. Ele conhece o caminho das pedras, os atalhos que devem ser percorridos para que as coisas aconteçam. Retornando à imagem do mercado financeiro, trata-se de um investimento de vida a serviço da nação.
Obviamente, não é obrigatório colocar um Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário à frente da Chancelaria, cargo político, cujo preenchimento é da competência privativa do Presidente da República. Basta ser indivíduo que saiba, bem assessorado pelo Itamaraty, se comunicar com o mundo. Mas, ao fazê-lo, o Chefe de Estado facilita, indubitavelmente, a implementação da sua política externa. Por outro lado, a troca de gestores no governo Bolsonaro, como a substituição de Ernesto Araújo por outro Ministro de Primeira Classe, não muda ou mudará as posturas presidenciais equivocadas em relação à saúde, à educação, às relações exteriores, ao meio ambiente e à cultura, para mencionar apenas áreas onde mudanças foram executadas não para melhorar desempenhos, mas para garantir que as convicções do Capitão sejam acatadas. A única exceção foi o Ministério da Defesa.
Em resumo, na atual conjuntura, nem o Barão do Rio Branco faria uma gestão rentável à frente do Itamaraty.