Pela simplicidade e crueza, uma das mais impressionantes representações da “Dança da Morte” (“Tantentanz”, em alemão), alegoria surgida na Europa após a Peste Negra (1348), encontra-se em Berlim, na Marienkirche ou Igreja de Santa Maria. Visitei-a várias vezes e nunca deixei, diante dos seus 22m de extensão, de me conscientizar da inexorabilidade da sua mensagem de que somos iguais perante a morte, independentemente de classe social, de reis a camponeses. Neste momento da pandemia, tal constatação nunca foi tão válida, quando detentores dos melhores planos de saúde enfrentam dificuldades para encontrar um leito de UTI. Por outro lado, a pandemia escancarou a desigualdade social e econômica do país, onde, segundo levantamentos, as classes D e E foram as mais atingidas.
Mas meu foco é a classe média que sustenta a economia com seu trabalho, pagando impostos e criando empregos. A meu ver, foi o segmento mais impactado, senão econômica, psicologicamente, além de representar segmento silencioso e descontente. Creio que a última pesquisa da XP/IPESPE para as eleições presidenciais de 2022 traduz o fenômeno. Na simulação espontânea para o primeiro turno, Bolsonaro aparece com 24% das intenções de voto, enquanto Lula, em um crescimento de 16 pontos percentuais desde fevereiro, com 21%. Mas o que realmente chama a atenção são os percentuais dos que não sabem/não responderam, 36%, e dos votos brancos/nulos/nenhum, 14%. O seja, 50% do eleitorado ainda não fez a cabeça ou inviabilizará seu voto. Estou convencido de que um vastíssimo e desorientado contingente da classe média está incluído nesse percentual.
Encarcerada há mais de um ano, longe de parentes e amigos, ameaçada de morte, pagando tributos extorsivos, sem auxílio emergencial, ou melhor, pagando o auxílio emergencial, à beira da bancarrota e de um ataque de nervos, diante da recessão econômica, a classe média escorrega lentamente para as camadas inferiores da sociedade. Depara-se, entrementes, com um Chefe do Executivo destrambelhado, que desestabiliza as instituições e a conomia a cada tentativa canhestra de autogolpe e negocia apoio no Congresso em troca de cargos e verbas, numa espécie de Mensalão não pecuniário. Entre os deuses do Olimpo, encastelados no Supremo Tribunal Federal, impera a cizânia. Com uma canetada e algumas caneladas entre pares, cancelam-se sentenças e se restabelecem os direitos políticos do ex-Presidente Lula, já condenado em segunda instância.
Oxalá a avaliação deste cenário norteie, em 2022, a escolha de candidatos para ocupar cargos tanto no Executivo como no Legislativo, pois o Congresso, após a eleição, em ambas as Casas, de Presidentes apoiados por Bolsonaro, o que garantiu o apoio do Centrão ao Governo, também é responsável pelo caos sanitário e econômico que se instalou no país. No Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) protelou, até onde pôde, a instalação de uma CPI para investigar e obstar os desmandos do Governo no combate a uma pandemia que já ceifou mais de 260 mil vidas. Só agiu, compelido pelo STF. Na Câmara, Arthur Lira (PP-AL) engaveta mais de 100 pedidos de impedimento do Presidente da República, enquanto o mantém cativo, ao propugnar a sanção de um orçamento inviável, cuja execução levará Bolsonaro a reeditar as famosas “pedaladas” que inviabilizaram a ex-Presidente Dilma Rousseff. É o balizamento para o impeachment.
E por falar em “Dança da Morte”, nem Dante seria capaz de descrever tal cenário em um dos círculos do Infern

