Um dos mais notórios negacionistas (ainda que a contragosto) foi Galileu Galilei (1564 – 1642). O astrônomo (não confundir com astrólogo, ocupação de Olavo de Carvalho), físico e engenheiro italiano é considerado o pai da astronomia, da física moderna e do método científico. Ao expor sua defesa do heliocentrismo, ou seja, do sistema estrutural cosmológico segundo o qual a Terra circunda o Sol e não o contrário, foi investigado, em 1615, pela Inquisição de Roma que concluiu que sua teoria era contrária às Escrituras Sagradas e o considerou herético. Morreu em prisão domiciliar, sem tornozeleira.
Obrigado a se retratar, ele o fez, possivelmente a fim de evitar uma pena mais severa, enquanto a frase “E pur si muove” (“e, no entanto, ela se move”), suposta e furtivamente pronunciada, ao final do julgamento, em relação à Terra, tornou-se a bandeira do combate ao negacionismo e, ao mesmo tempo, o lema que o diferencia do ceticismo. Negar a realidade é um ato consciente de má-fé ou oportunismo, como forma de escapar de evidências desagradáveis e indesejadas que contrariem ideias preconcebidas e controversas. Não crer traduz a incapacidade do ser humano de reconhecer certos valores metafísicos, religiosos ou absolutos, num processo intelectual de dúvida, que só pode ser contornado por uma revelação (vide S. Tomé).
Contudo, o termo “Negacionismo” (do francês “négacionnisme”) foi recentemente cunhado. Trata-se de neologismo introduzido, a partir de 1987, pelo historiador Henry Rousso, a fim de ressignificar (num processo de dar nome aos bois) o termo “Revisionismo”, movimento pós-nazista que nega o genocídio ou o Holocausto de mais de 5 milhões de judeus, durante a Segunda Guerra Mundial. No caso específico, negacionismo confunde-se nitidamente com antissemitismo, uma vez que seus adeptos não contestam o extermínio de outros grupos étnicos, como os ciganos (subgrupos rom e sinti), religiosos, como as Testemunhas de Jeová, bem como de homossexuais. Mas foi o escritor belga Koenraad Elst quem melhor definiu o termo:
“Negacionismo significa a negação de crimes históricos contra a humanidade. Não é a reinterpretação de fatos conhecidos, mas a negação de fatos conhecidos. O termo negacionismo ganhou destaque como nome de um movimento que nega um crime específico contra a humanidade, o genocídio de judeus cometido pelos nazistas entre 1941 e 1945, conhecido também como holocausto.”
Em tempos modernos, como diria Chaplin, o termo, ao assumir a conotação pejorativa que Rousso e Elst lhe atribuíram, passou a designar a negação de evidências científicas, de fatos históricos ou de qualquer outra realidade que se queira encobrir maldosamente ou por interesses próprios e escusos. É considerado, outrossim, um obstáculo ao desenvolvimento da humanidade, ao negacear ou retardar iniciativas que visam à sua proteção e aprimoramento. Nesse contexto, tem sido aplicado, por exemplo, àqueles que negam a eficácia das vacinas, a virulência de certas enfermidades e suas profilaxias, bem como as mudanças climáticas e consequentes desastres ecológicos.
Um dos melhores exemplos de crime cometido por negacionismo está no filme “Jaws” (1975), quando o Prefeito de um pequeno balneário se recusa a fechar a praia, a fim de proteger a economia da cidade, mesmo diante da constatação da existência de um enorme tubarão branco que passa a fazer a festa, devorando os inocentes banhistas. Nesse contexto, não é necessário muito esforço para contrastar o conceito do negacionismo com a atuação de Bolsonaro. O Presidente se recusa a enfrentar a realidade, varrendo para debaixo do tapete os efeitos de uma pandemia devastadora e as consequências de uma política desastrosa de preservação, ou melhor, de devastação do meio ambiente. Movido por discutíveis razões econômicas, visa, acima de tudo, à reeleição, ignorando, no entanto, que o negacionismo nunca foi um bom conselheiro ou marqueteiro político. Donald Trump que o diga.