O Garoto da Bicicleta, de Jean-Pierre Dardenne

Certa vez, fiz algumas observações sobre o papel do cone (esse objeto que é colocado nas ruas, a fim de impedir que você trafegue por locais onde você não deve trafegar). Sem querer estender-me sobre a matéria, cheguei à conclusão de que o brasileiro tem um profundo respeito pelo cone. Avançam-se semáforos, ultrapassam-se os limites de velocidade, mas coloque um cone em qualquer canto de rua e verá como lá permanece durante meses, até que um iconoclasta o derrube. Em resumo, trata-se de um símbolo fálico, ou seja, uma representação do falo, venerado por civilizações primitivas, como ícone da fertilidade, da fruição (orgasmo), da força, do poder, e presente na psicologia (complexos de castração e de Édipo).

Ora, tendo em vista o recente papel da motocicleta na política brasileira, cumpre também examiná-la, para além da mera utilização como meio de transporte de pessoas e delivery. Para início de conversa, o que nada mais é do que uma bicicleta motorizada, constitui objeto de desejo, majoritariamente, dos homens, símbolo de masculinidade (a macheza do proprietário é avaliada pelo potencial do forte e ensurdecedor ronco do motor), de juventude (velhinhos motoqueiros), de poder econômico (a exemplo das Harley-Davidson, caras e espalhafatosas) e sexual. De fato, caso não seja uma vespa, quando utilizadas, são sensualmente envolvidas pelas pernas do condutor, sem falar do prazeroso abraço do carona.

Apesar do seu individualismo, uma vez que conduz, basicamente, um só passageiro, a motocicleta é instrumento de congraçamento, sobretudo, através do recente fenômeno das motociatas oficiais (confesso que desconhecia o termo, até bem pouco tempo). Onerosas, em virtude do preço dos combustíveis, incômodas, ao interditarem vias essenciais á circulação de indivíduos e cargas, e poluentes, o convescote mecanizado arrebanha (no sentido literal) centenas, milhares de entusiastas que se sentem seguros e aconchegados, ao transitarem, lado a lado, com seus irmãos de fé, camaradas (não me lembro de ter visto irmãs, a não ser na garupa), que desfilam orgulhosa e garbosamente. Ignoro, até agora, para o que servem e qual o seu objetivo, além, é claro, de divertir e deleitar os participantes, às custas do bolso e da paciência alheios. Talvez intimidar: o correspondente a botar tanques de guerra na rua.

Obs.: recomendo o filme que deu nome ao título.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *