Homenagem ao meu amigo e conterrâneo Melillo Dinis
Creio haver consenso de que brasileiro tem memória curta. Mal nos lembramos do que comemos no jantar de ontem. E por falar em jantares e acepipes, cumpre lembrar, diante dos últimos acontecimentos que nos colocaram em evidência diante da comunidade internacional, que a França quase internacionalizou nossa lagosta de cada dia. Corria o ano de 1961, governo Jânio Quadros, quando pescadores flagraram barcos de pesca franceses, capturando o crustáceo em águas territoriais brasileiras, nas costas do nordeste.
Foram gentilmente convidados a se retirar por navio da marinha brasileira, mas, ao retornar à França, os invasores iniciaram campanha junto ao governo francês e à imprensa a respeito de supostos direitos de pesca, bem como sobre o enquadramento e classificação da lagosta como uma espécie de patrimônio da humanidade! Os ânimos se acirraram e a França deslocou contingente naval para a região do conflito. Entrementes, Jânio Quadros, em mais um de seus delírios, engendrou, juntamente com Moura Cavalcanti, governador do então território do Amapá, plano de invasão e anexação da Guiana Francesa.
A respeito, nunca é demais recordar que somos de facto vizinhos territoriais da França, uma vez que seu departamento ultramarino equivale a qualquer rincão francês em terras europeias. Ademais, como já tive a oportunidade de salientar (“Índio não Tem Fronteira”), a divisa é praticamente terra de ninguém, transposta por índios de várias etnias e nenhuma nacionalidade. Fake news ou não, ouvi dizer, ainda, que a França cogita expulsar trabalhadores brasileiros que ganham a vida suadamente na Guiana, ops, na França. Parodiando, enfim, a situação do México, pobre Amapá, estado de Davi Alcolumbre, presidente do senado federal, tão longe de Deus e tão perto da França!
Para arrematar, Jânio Quadros, como todos sabemos, renunciou, João Goulart assumiu a presidência e, após consultar o conselho de segurança nacional, abortou o plano do “vassourinha”, deslocou navios e aviões militares para o nordeste e mobilizou o 4º exército, sediado em Recife, cujo comandante era o então general Humberto Castello Branco. À época, lembro-me que a piada era sobre o que faríamos com a França, caso a derrotássemos, enquanto brasileiros sonhavam em desfilar pela ruas de Paris como a gestapo o fez, durante a II Guerra Mundial. Felizmente, para as partes envolvias, a Guerra da Logosta, na qual nem um tiro foi disparado, foi encerrada em 1963, por via diplomática. O Itamaraty, então, existia e o Quai d’Orsay o respeitava!