Anistias

Segundo Fabio Victor, repórter especial da Folha de São Paulo, em matéria publicada em 11 de setembro último, um estudo do historiador Carlos Fico, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), registrou que houve, durante o período republicano, “14 golpes e tentativas de golpe, incluindo a de Bolsonaro”, todos engendrados por militares. Acrescentaria a esta estatística as tentativas de golpe frustradas (1832, 1834, 1842 e 1850) que, durante a monarquia, culminaram, em 1889, com a deposição de D. Pedro II pelo marechal Deodoro da Fonseca que nos brindou com a república que aí está, redemocratizada, após alguns percalços, pela Constituição de 1988, a sétima da nação.
De acordo, ainda, com Carlos Fico, em seis “tentativas (de golpe) fracassadas (1904, 1922, 1924, 1956, 1959 e 1961), os golpistas foram anistiados por decretos presidenciais ou legislativos”. Surge, então, a dúvida do articulista da Folha, expressa no título da matéria: “Condenação de militares é marco histórico, mas anistia pode repetir episódios do passado”. A respeito, cumpre lembrar que a ocorrência de seis tentativas de golpes, de 1904 a 1961, cujos perpetradores permaneceram intocáveis, bem como a anistia que o congresso, sob o jugo dos militares, aprovou em 1979, a título de uma falsa conciliação nacional, demonstram que a leniência com golpistas não pacificou o país nem evitou que reincidissem na delinquência.
As tristes estatísticas acima mencionadas assinalam, ademais, que o país é e foi submetido, desde a independência, à violência de instabilidades políticas periódicas que tendem a se perpetuar. Com efeito, instala-se, no momento, mais uma crise, diante da insistência de determinado bloco ideológico e radical em aprovar mais uma anistia. A inconstitucionalidade da medida, antecipada pelo Supremo Tribunal Federal, poderá obstaculizar sua implementação, mas, ainda que o perdão seja obtido, o julgamento e a condenação de um ex-presidente da república e de generais quatro estrelas por tentativa de golpe de estado permanecerá, para sempre, como um valioso precedente e um marco de progresso humanitário na conturbada história do país.
Vale reconhecer, finalmente, que a condenação dos golpistas do 8/1 e de seus principais líderes está para a defesa da democracia, assim como o julgamento do Mensalão e do Petrolão esteve para o combate à corrupção. Infelizmente, diante da anulação, por meras questões processuais, das sentenças que justiçaram os partícipes nos dois mencionados escândalos, assiste-se a um repique da corrupção. Com relação a golpes de estado, uma vez eliminadas quaisquer perspectivas de anistia, espera-se que, doravante, candidatos a atentar contra o estado democrático de direito pensem duas vezes antes de consumar seus propósitos.

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