Bolsonaro na Cúpula, “O” Discurso

O discurso que Bolsonaro pronunciou na Cúpula do Clima, patrocinada pelo Presidente Joe Biden, é uma obra-prima de moderação, ufanismo e boas intenções, muito distinto do seu último pronunciamento na ONU, quando se declarou vítima de “brutal campanha de desinformação” sobre a Amazônia e o Pantanal, que seriam alvos da “cobiça internacional”. Antes, em bravata sem precedentes, já havia aconselhado Angela Merkel a reflorestar a Alemanha, desdenhando os aportes germânicos para o Fundo da Amazônia. Enfim, o discurso é peça digna da nota máxima conferida a redações pelo ENEM. Infelizmente, vende uma narrativa que atropela a realidade e contradiz a política que seu governo vem adotando em relação ao meio ambiente.

Contudo, foi bem recebido pela comunidade internacional que o interpretou como indício de uma mudança radical das posturas negacionistas de Bolsonaro. Mas, macacos velhos, querem ver resultados práticos imediatos antes de abrirem as burras, despejando no colo de Bolsonaro a ajuda financeira que lhes foi despudoradamente solicitada. Só que não. A passagem da boiada, aforismo utilizado por Ricardo Salles, Ministro do Meio Ambiente, para explicar como deveria ser feito, ou seja, na calada da noite, o desmantelamento dos órgãos de controle dos e de punição aos crimes ambientais, encontra-se em estado avançado e não poderá ser revertido num estalar de dedos. Ademais, horas depois de prometer, diante de 40 líderes mundiais, dobrar as verbas de custeio de tais órgãos, Bolsonaro, ao sancionar o orçamento de 2021, cortou 240 milhões de Reais da pasta do Meio Ambiente.

Internamente, o discurso causou perplexidade e ceticismo. Os que o elogiaram, sem contar os bolsonaristas sempre a postos para aplaudir qualquer iniciativa do governo, creem que os louváveis objetivos anunciados por Bolsonaro só poderão ser atingidos se Ricardo Salles for defenestrado. Esperança vã, uma vez que o Presidente ocupa hoje quase todos os Ministérios da Esplanada que, alinhados como os edifícios que ocupam, comungam das suas ideias esdrúxulas e irredutíveis. As recentes mudanças dos Ministros da Saúde e das Relações Exteriores não passaram de meras correções de rumos, através de falas mais amenas, mas não menos capciosas, que não se atrevem a confrontá-lo. O último reduto é o Ministério da Economia, cujo titular, desacreditado pelo setor privado, está sitiado pelo Centrão, base do governo no Congresso, e vem sendo mantido por Bolsonaro como amuleto contra um eventual impeachment por “pedaladas” fiscais.

No fundo, Bolsonaro quer apenas ganhar tempo, a fim de implementar seu projeto de “desenvolvimento” da Amazônia e do Pantanal, através da expansão, em detrimento do meio ambiente e da população indígena, da mineração, da indústria madeireira, da agropecuária e das igrejas evangélicas neopentecostais que ele acredita serem nacionalistas. Suas ideias, de cunho basicamente econômico, remontam, no entanto, a princípios ultrapassados da Doutrina de Segurança Nacional que, ao decantar as imensas riquezas da Amazônia, a considerava objeto da concupiscência das grande potências mundiais. Ironicamente, é possível que o seja, não por suas riquezas, mas por sua importância para o meio ambiente. Resta saber se a comunidade internacional está disposta a lhe conceder o lapso necessário à conclusão dos seus altos desígnios.

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