Mais um capítulo na novela “capa e espada” que se desenrola no Planalto. Bolsonaro entre a cruz e a caldeirinha. Ou aceita a demissão de Moro e sofre um desgaste ainda não passível de ser mensurado em seu governo, ou Valeixo fica e as investigações prosseguem com a inclusão agora de deputados que apoiam o Presidente e pedem o fechamento do Congresso, do STF e a volta do AI5. Os próximos desdobramentos serão mais divertidos do que qualquer programa televisivo destinado a amenizar a quarentena.
Publicado em 23/04/2020
Somente quem não mora em Brasília e não tem contato com certos círculos da Capital que se dedicam à ciência e à análise políticas acreditou que a ameaça, finalmente concretizada, do Ministro da Justiça de se demitir não passava de “fakenews”, rótulo que o gabinete cibernético de apoio a Bolsonaro – ou seria de desamparo? – decidiu pespegar nos fatos.
A intenção do Presidente da República de substituir o Diretor-Geral da Polícia Federal foi sempre recorrente e tornou-se urgente à medida que as investigações, patrocinadas pela instituição, se aproximam de seus familiares, caso das “rachadinhas” e das “fakenews”, e de congressistas – leia-se Eduardo Bolsonaro – que o apoiam e estariam financiando e incentivando movimentos que pedem o fechamento do Congresso e do STF, bem como a reedição do AI-5. Trata-se também de aceno aos partidos do centrão, com os quais Bolsonaro tenta costurar alianças e que albergam membros, inclusive alguns presidentes, investigados pela PF.
Alguns analistas acreditavam, até ontem, que a troca de guarda na Polícia Federal era um balão de ensaio destinado a testar a tolerância de Moro e medir a reação da sociedade diante de um possível pedido de demissão do Ministro. Uma vez determinada e mensurada a potencialidade explosiva da medida, Bolsonaro voltaria atrás, como o fizera tantas vezes, e tudo voltaria ao normal. Outros, entre os quais me incluo, previam que nada seria como dantes no quartel de Abrantes e davam por inaugurada a temporada de frituras e ainda colocavam na frigideira o Paulo Guedes e a Tereza Cristina. Nos equivocamos. O bife, no que se refere ao Moro, já estava estorricado no teflon.
A peça de despedida do Ministro da Justiça é histórica, no sentido de que desnuda as mais recônditas intenções não republicanas do chefe do Executivo, ou seja, ter acesso a relatórios sobre o andamento de investigações a cargo da Polícia Federal e poder “conversar” sobre seus resultados e conclusões com os delegados responsáveis. O expediente não foi tentado nem pelo Lula, nem pela Dilma, em tempos de Lava Jato. Bolsonaro deu, enfim, motivos para que sua negação de isolamento social se transforme em abraço apertado, colado, com a catástrofe que, infelizmente, nos afetará a todos, como se não bastasse a desgraça do coronavírus. Muita gente esquentando os motores na Praça dos Três Poderes.
Publicado em 24/04/2020