Diplomacia Presidencial às Avessas

Em texto recentemente publicado (“Capitães do Mato”, passealimpo, 29/11/2020) sobre dirigentes nomeados por Bolsonaro para comandar setores que deseja reestruturar, afirmei que Ernesto de Araújo, nas Relações Exteriores, era um capítulo à parte. Dispensável, no entanto, elencar as deficiências do Chanceler, bem como suas condutas e declarações erráticas que beiram os limites da amência e vêm sendo amplamente divulgadas pela imprensa. Causam perplexidade e hilaridade, exceto em seu guru, o astrólogo Olavo de Carvalho que, do exílio autoinfligido nos Estados Unidos, solicitou, recentemente, a renúncia do Presidente da República, seu mais importante discípulo, diante da incapacidade do mandatário de “defender a liberdade dos seus mais fiéis amigos”.

Resta, portanto, considerar sua atuação, ou melhor, sua não participação na condução da política externa implementada por Bolsonaro que optou, provavelmente sem o saber, pela Diplomacia Presidencial, ou seja, a disposição de Chefes do Poder Executivo de relacionar-se pessoalmente com a comunidade internacional. Trata-se de via de mão dupla, na qual o governante investe seu prestígio, legitimado por poder bélico, econômico ou, nas democracias, pelo voto popular, na expectativa de colher resultados compensatórios: popularidade, o respeito de seus pares, hegemonia e êxito no comércio internacional. A defesa de seus amigos mais leais residentes no exterior obviamente não integra o rol.

O ex-Presidente Lula foi, até agora, o Chefe de Estado brasileiro que mais se valeu da Diplomacia Presidencial, colocando todo o peso de seu prestígio, alicerçado em sua origem humilde e operária e no desempenho nas urnas, para realizar bons negócios para as “campeãs nacionais”, bem como angariar apoio à pretensão que seu governo herdou de Fernando Henrique Cardoso de obter para o Brasil um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Infelizmente, o primeiro objetivo alimentou megaesquemas de corrupção, enquanto o segundo, recentemente encampado por Bolsonaro em reunião dos BRICS, não se concretizou e dificilmente se materializará.

Detentor de 58 milhões de votos, representante da 9ª economia mundial, líder – não assumido – da América Latina, Bolsonaro reunia as credenciais para implementar uma Diplomacia Presidencial exitosa. Utilizou-a, no entanto, às avessas, ou seja, sua radicalização ideológica, bem como seu negacionismo em matéria de preservação ambiental, que nos trouxe e nos trará problemas, sobretudo com o governo francês e, futuramente, com a nova administração norte-americana, contribuem para o descrédito do Brasil e ameaçam as exportações brasileiras. Colocam, ademais, o país em rota de colisão com os três principais centros de poder do planeta: Estados Unidos, China e União Europeia.

Segundo o Embaixador Roberto Abdenur, nosso ex-representante em Pequim e em Washington, “o Brasil hoje só tem como amigos três países e meio: Israel, Hungria, Polônia e a metade trumpista dos Estados Unidos…Os interesses do Brasil já estão seriamente prejudicados com a Europa e podem vir a ser prejudicados com a China se nós optarmos por um alinhamento continuado com os Estados Unidos” (1). A entrevista foi concedida antes das eleições norte-americanas. A vitória de Joe Biden – ainda não reconhecida por Bolsonaro – elimina qualquer possibilidade de alinhamento continuado com os Estados Unidos, a não ser no que se refere ao ataque à empresa chinesa Huawei, imbróglio que tampouco nos favorece.

Em resumo, caso a devastação dos biomas nacionais não seja contida e a disputa sino-americana a respeito da utilização da tecnologia 5G não seja resolvida a contento, sem o comprometimento do Brasil que se envolveu desnecessariamente em briga de cachorro grande, o país tem encontro marcado com seus principais parceiros comerciais. E não será para que o Chanceler tome o chá das cinco e discorra sobre suas teorias terraplanistas e antiglobalizantes. Ou abdicará das suas funções em favor de Filipe Martins, o assessor presidencial para assuntos internacionais. Já vimos esse filme, estrelado por Celso Amorim e Marco Aurélio Garcia.

(1) Leia mais em https://braziljournal.com/roberto-abdenur-podemos-ficar…

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