Golpes militares e outros golpes

Golpes militares e outros golpes

Surpreende-me, sinceramente, ouvir falar tanto de golpe militar de 1964 e nada a respeito de “o” golpe militar de 1889. Os que defendem a tomada do poder pelos militares em 64 ainda podem alegar que o movimento nos salvou da instauração de um regime comunista avesso ao anseio, não diria democrático, mas libertário do brasileiro. Provo: em 1934, a Internacional Comunista devolveu ao Brasil o capitão do exército Luís Carlos Prestes, que se encontrava na União Soviética, desde 1931. Acompanhou-o a agente judaico-alemã, Olga Benário, e um alentado grupo de estrangeiros, a fim de apoiá-lo na preparação de uma revolução bolchevique. Alguns historiadores, ao justificarem o malogro da iniciativa, alegam que Moscou estava cética quanto ao sucesso do empreendimento e chegou, juntamente com membros do seu estafe, a advertir Prestes, então secretário-geral do partido comunista brasileiro, a não tomar qualquer ação extemporânea. O que fez o capitão? Libertária e insubordinadamente, comeu a agente (o que equivaleria, atualmente, a comer a secretária) engravidou-a e lançou-se na aventura da intentona comunista de 1935 que deu no que deu. A deportação de Olga Benário para a Alemanha nazista, onde foi executada, após dar à luz uma filha, foi assinada por Getúlio e aprovada pelo supremo tribunal federal da época, configurando, segundo o ministro Celso de Mello, um dos mais crassos erros cometidos pela suprema corte.

Quanto ao golpe de 89, de quem e de que a quartelada nos defendeu? De D. Pedro II e de sua filha, que nos governaram patriótica e dignamente durante quase meio século? A atabalhoada proclamação da república, aparentemente uma disputa amorosa entre o marechal Deodoro e o senador Silveira Martins por uma viúva gaúcha, segundo o historiador Laurentino Gomes (“1889”, Globo Livros), instaurou um regime oligárquico que, agravado pelo atual presidencialismo de cooptação, perdura até os dias de hoje, através dos Barbalhos, Sarneys, Gomes, Coelhos e Arraes, Collores e Calheiros, Magalhães, Neves, Maias, Cabrais, Cunhas e Piccianis, Suplicys, Goulartes, Genros e outros. As oligarquias, antes confinadas a São Paulo e Minas Gerais (política do café com leita da primeira república), ampliaram-se e se “nepotizaram”, não sendo necessário identificá-las pelas origens geográficas para reconhecê-las.

Enfim, por seu caráter anárquico, paradoxalmente, o brasileiro sempre necessitou de um líder forte e carismático, a exemplo dos Pedros I e II, intitulado “defensor perpétuo do Brasil”, que o represente, encarne seus anseios, lamba suas frustações, norteie sua desordem mental, resgate-o do vazio de representatividade política com o qual convive, amparando-o, consolando-o e respondendo às suas necessidades de pátria segura, digna, honrada e soberana. Assim, suportamos a ditadura de Vargas por 15 anos e presidentes-generais por 26 (considero que a “redemocratização” somente ocorreu em 1990, com a eleição de Collor de Mello). O ex-presidente Lula e o deputado Jair Bolsonaro compreenderam o fenômeno e ocupam hoje, em posições ideológicas, mas não necessariamente pragmáticas, diametralmente opostas, o olimpo do imaginário de significativo percentual da população que os alçou à condição de deidades irrefutáveis, não importa o que façam (a fictícia candidatura tríplex do PT) ou digam (a inaceitável declaração de um presidenciável “não entendo nada de economia”). Que uma divindade superior a ambos nos salve de mais um período de conflito e exceção, de passarmos a ser uma colônia da Venezuela ou dos Estados Unidos.

Ney do Prado Dieguez

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