Impeachment ou Estado de Defesa

Encontram-se atualmente engavetados, na mesa do Presidente da Câmara dos Deputados, 61 pedidos protocolados de impeachment. Não lhes dar prosseguimento foi, em grande parte, estratégia do atual Presidente, o Deputado Rodrigo Maia, a fim de não criar embaraços à sua reeleição, esperança que foi sepultada pelo Supremo Tribunal Federal.  Há quem o acuse de prevaricação. Mas agora a Inês é morta. Dentro de uma semana, um novo Presidente será escolhido e o candidato de Rodrigo Maia, o Deputado Baleia Rossi, será possivelmente derrotado por Arthur Lira, com o apoio de Jair Bolsonaro que vem promovendo farta distribuição, a torto e a direito, de verbas e cargos, a fim de garantir a vitória de seu apaniguado.

Nunca é demais lembrar que Arthur Lira, líder dos Progressistas (PP), principal partido do Centrão, que compôs a base governista da Presidente Dilma Rousseff, foi o principal aliado do ex-Deputado Eduardo Cunha, hoje em prisão domiciliar, e responde a acusações que vão de improbidade administrativa e organização criminosa (Operação Taturana), corrupção e lavagem de dinheiro (Operação Lava Jato), obstrução de justiça, violência doméstica, a direção com carteira de habilitação vencida. Condenado pela 17ª Vara Cível de Maceió, questiona-se, nas esferas jurídicas, sua capacidade de ocupar a Presidência da República, uma vez que, como Presidente da Câmara, seria o primeiro, na linha sucessória, a ser chamado a exercê-la, em caso de impedimento do Chefe do Poder Executivo e do Vice-Presidente. Este é o personagem que Jair Bolsonaro apoia para comandar a Casa mais importante do Poder Legislativo, a que representa o Povo brasileiro. 

O fato é que, no imaginário de Jair Bolsonaro, Arthur Lira, apesar de não ser confiável, pois traiu Dilma Rousseff, votando favoravelmente ao seu impeachment, é o ferrolho que evitará que as iniciativas para abreviar seu mandato sejam destrancadas. A respeito, o 62º pedido de impeachment será protocolado, se é que já não o foi, pelo PT, PSB, PDT, Rede e PCdoB.  Entre as razões elencadas, sobressaem-se o colapso do sistema de saúde no Amazonas, as mortes por falta de oxigênio, a recomendação ineficaz de tratamento precoce contra a covid-19 e a ausência de uma campanha tempestiva e efetiva de vacinação.  O problema é que pedidos patrocinados por partidos de esquerda têm pouca chance de prosperar e serem apoiados pelos eleitores – fiéis da balança – que abandonaram Bolsonaro, mas continuam a rechaçar o PT e seus satélites.  Faz falta o patrocínio de uma Janaina Paschoal furibunda, secundada por figurões como os juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Júnior, elementos centrais no afastamento de Dilma Rousseff. 

Resta contar, assim, com a indignação popular, a exemplo da que alimentou as Manifestações dos Vinte Centavos, em junho de 2013.  Bolsonaro, no entanto, farejando protestos de idêntica magnitude, ameaçou novamente a democracia, em sua forma de liberdade de expressão, com as Forças Armadas. Fez-lhe eco, agora, o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, que, de olho na indicação para o Supremo Tribunal Federal, na vaga do Ministro Marco Aurélio Mello, previu em sua bola de cristal a progressão da crise brasileira para o Estado de Defesa, antessala do Estado de Sítio.  Ocorre que a decretação de ambos os Estados, pelo Presidente da República, depende da apreciação e da autorização formal do Congresso Nacional.  O círculo se fecha, então, nos candidatos de Bolsonaro para as Presidências do Senado, o Senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e da Câmara dos Deputados, nosso decantado Arthur Lira.  Em seus devaneios mais extravagantes, Bolsonaro acredita que seus eventuais aliados conceder-lhe-iam as medidas de exceção, caso o prognóstico do PGR se materialize.

Engana-se, no entanto, quem acredita, como Jair Bolsonaro, que a continuidade do governo depende da vitória de Rodrigo Pacheco ou de Simone Tebet, de Arthur Lira ou de Baleia Rossi. A traição está profundamente enraizada no DNA dos políticos que, segundo um vetusto adágio, até acompanham o féretro, mas não se enterram com o cadáver.  Nos impeachments que vivenciamos, Collor e Dilma marcharam, com o aval do Congresso, para seus cadafalsos ao contrariar interesses econômicos difusos, mas atuantes, possivelmente as “forças ocultas” a que Jânio Quadros se referia. Novamente, “it’s the economy, stupid”. No caso de Bolsonaro, pode estar faltando apenas um empurrãozinho para que seu castelo de cartas, erguido a insultos e boçalidades, com extremismo ideológico, negacionismo e isolacionismo, caia por terra. Pode partir, internamente, de setores econômicos cansados da inépcia e das vãs promessas do Paulo Guedes, e, externamente, da nova administração  Biden ou da indignação de Xi Jinping com os ataques do Presidente, do seu clã e auxiliares contra a China. 

Enquanto isso, o país está parado, como se as eleições para as Presidências da Câmara e do Senado fossem uma copa do mundo, e vacina que é bom, nada!

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