Marchas e manifestações

Algumas mentes desavisadas tentam estabelecer um paralelo entre as manifestações programadas para o próximo dia 15 de março e a Marcha da Família com Deus pela Liberdade que se iniciou em São Paulo, na Praça de Sé, em 19 de março de 1964, congregou cerca de 500.000 pessoas e se estendeu a várias cidades até 8 de junho. O protesto mais significativo ocorreu no Rio de Janeiro em 2 de abril e levou mais de um milhão de pessoas às ruas, articulado pela Campanha da Mulher pela Democracia (CAMDE). Aos 20 anos, fui, juntamente com minha mãe, minha avó e outros familiares, testemunha presencial do evento. 

A Marcha, que, no bom sentido, incendiou o país e outorgou carta branca às Forças Armadas para executar e consolidar o golpe de 31 de março de 1964, possuía objetivos claros e definidos: aniquilar a ameaça comunista representada pela ação de grupos radicais apoiados ingenuamente ou não pelo presidente João Goulart que, em 13 de março de 1964, juntamente com Leonel Brizola, seu cunhado e governador do Rio Grande do Sul, realizou comício na estação Central do Brasil, RJ, para cerca de 200.000 pessoas, e anunciou reformas de base, entre as quais, a desapropriação de refinarias de petróleo e de propriedades rurais e urbanas subutilizadas. 

Quanto às manifestações convocadas para o próximo dia 15, apesar de defendê-las como direito inalienável e meio de expressão válido da sociedade, seus objetivos me resultam difusos. Os organizadores anunciam apoio ao presidente Jair Bolsonaro e repúdio ao deputado Rodrigo Maia, ao senador Davi Alcolumbre e ao ministro Dias Toffoli. Defesa, portanto, do executivo que estaria ameaçado pelo legislativo e pelo judiciário? Almejam o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, em nítido retrocesso democrático? Por outro lado, o presidente da república, em atitude no mínimo conflitante, estimula a população a participar das manifestações em seu apoio, mas nega que o movimento seja de enfrentamento a dois dos poderes do Estado.

Eis que surge, então, uma terceira via, ou seja, as manifestações visariam emparedar o Congresso e o STF, pressionando seus membros a tomar decisões favoráveis ao Palácio do Planalto. A tarefa é de árdua execução em um parlamento pulverizado entre dezenas de partidos políticos, cada qual jogando para a sua torcida, onde o governo Bolsonaro não possui base de apoio significativa, sobretudo após o presidente implodir sua própria agremiação política, e diante de um tribunal superior onde cada ministro, conforme alguém bem o definiu, é uma ilha de isolamento no que diz respeito a ideologia, formação jurídica e hermenêutica. Apesar dos pesares, espero que as manifestações sirvam para algo mais do que agravar a crise econômica ou simplesmente facilitar a disseminação do coronavírus.

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