“O Carnaval da Resistência”

Vários amigos e eu mesmo estamos cansados de falar de política nas redes sociais. Para início de conversa, o esforço não vale a pena, pois a divulgação é limitada pelos algoritmos, embora o Facebook desminta que as publicações alcancem apenas 25 ou 26 usuários. Têm razão, pois algumas postagens apolíticas, apesar de direcionadas principalmente a parentes, amigos e correligionários, angariam, em curtidas, mais do que os números acima mencionados. Conclui-se, portanto, que não há interesse. Basta postar a foto de uma flor rara para obter centenas de “likes”, enquanto um texto sobre política, se não for sensacionalista, não conter falsidades ou ofensas rasteiras, por mais bem escrito, racional e fundamentado que esteja, passa quase desapercebido. Ademais, o autor se expõe a todo tipo de vandalismo verbal, caso ouse apontar mazelas do governo, discordar de ou criticar o “lulalivre” ou o “bolsonaromito”. Não há como argumentar com uma ou outra das facções. 

É compreensível, portanto, que pessoas que queiram compartilhar seus pontos de vista sobre as barbaridades que estão ocorrendo neste país, de ataques ideológicos à cultura a motim em estado governado pelo PT, com direito a discurso nazista e ofensas a domésticas e jornalistas, estejam cansadas e desiludidas de tentar contribuir para um melhor entendimento e a correção de rumo dos estarrecedores acontecimentos dos últimos 14 meses. No meu caso, por exemplo, limito-me a publicar em meu blog, o “passe a limpo”, e, esporadicamente, sem esperança de atingir um público receptivo e apenas a título de balão de ensaio, nas redes. Contudo, esta indisposição de parte a parte, tanto do autor como do leitor, é preocupante. Abre-se caminho para a publicação do mais absurdo proselitismo e de informações, a maioria falsa, a favor do atual governo e contra os anteriores que, felizmente, estão saindo da berlinda, por simples fadiga de material. 

A respeito, a última estultícia da qual tomei conhecimento foi a tentativa de convencer o distinto público de que o Papa Francisco é comunista, já que recebeu a visita do ex-presidente-presidiário Lula da Silva. Ora, nem o Lula nem o Papa, pelos quais, aliás, não tenho qualquer apreço, são comunistas, mas meros oportunistas. Abre-se, então, o divertido baú de rótulos, incompreensíveis para muitos, que carregam o sufixo -ista, entre os quais destacam-se esquerdista e direitista. Sobre o último, aproveito, por oportuno, para dar o meu testemunho. A Direita brasileira de raiz, com letra maiúscula, deriva diretamente do Partido Conservador da saudosa Monarquia, é instruída, culta, sofisticada, capitalista, laica, avessa à falta de compostura e a termos e gestos chulos (“dar banana”, e.g.), defende o Estado de Direito, as instituições, os valores humanos, éticos e morais, além de controlar a economia e as finanças do país. Não confundi-la, portanto, com a autoproclamada identidade política de determinados quarteirões de condomínios da Barra da Tijuca.

Por sua vez, a ausência das qualidades acima mencionadas tem sido tolerada por alguns que se intitulam de direita como a prática da almejada eliminação do abominável politicamente correto, do blá-blá-blá e das falácias da retórica política. Lamento, mas não é bem assim. Uma coisa é condenar e evitar o vazio, o lugar-comum e os sofismas aos quais estamos acostumados e que frequentam os discursos de figuras públicas, inclusive de muitas que aí estão. Outra coisa é partir para conceitos e posturas mal definidas e injustificadas, para o confronto, o irracional e, sobretudo, para insultos de baixo calão e a estigmatização misógina, racista e homofóbica. Dos que nos governam, sobretudo em um país carente de educação, exige-se que deem o exemplo, que se expressem com um mínimo de correção, clareza, moderação, equanimidade e, se não for pedir demasiado, uma certa elegância, atributos essenciais à dignidade dos cargos que ocupam. O fato de que Lula e Dilma tropeçaram nesta agenda não justifica que o atual governante não a cumpra e, ao contrário, a ignore. O resto, como se diz no Maranhão, meu estado de origem, é lamentável bate-boca entre vizinhos-de-muro-baixo. 

Finalmente, ao fazer mea-culpa em relação à minha abstinência, compreendo que esquivar-se de discorrer sobre política, de exercer civilizadamente o contraditório e contribuir para um melhor desempenho da principal atividade humana na organização e administração da sociedade é, a exemplo dos avestruzes da lenda, enfiar a cabeça na areia. Somos os milhões de brasileiros, quase uma nação inteira, sambando durante o carnaval, enquanto ninguém se dispõe a ir às ruas para protestar contra ou reivindicar o que quer que seja ou ao menos exigir atendimento médico, educação e segurança de qualidade, compatíveis com os impostos que nos cobram. Alguns me dirão que, no entanto, blocos carnavalescos e escolas de samba estão reagindo à sua maneira aos desvarios dos últimos tempos, a ponto de a revista Veja batizar a atual folia de Momo de “o carnaval da resistência”. Só que, infelizmente, tudo acaba na ressaca da quarta-feira e não passa de divertidas charges políticas.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *