O Fim da Polarização

Três fatores concorrem para que a polarização, que favoreceu Jair Bolsonaro nas eleições de 2018, não se repita. Em primeiro lugar, a remoção do PT do cenário político como máximo representante da esquerda – capenga, diga-se de passagem, como a esquerda brasileira sempre o foi. Em segundo, a vitória, nas últimas eleições municipais, de políticos tradicionais, com experiência administrativa, encerrando um ciclo antipolítico de aventuras e amadorismos. Por último, a constatação de que o pleito de 2022 realizar-se-á entre forças de centro-direita e de centro-esquerda, entre as quais Bolsonaro não se insere, por seu radicalismo e ao cortejar o Centrão, um mero ajuntamento de partidos sem ideologia definida, interessados no jogo do “é dando que se recebe”, no qual o Presidente da República aposta suas fichas, sem qualquer pejo de contrariar promessas de campanha.

Neste contexto, equivoca-se quem acredita que as eleições de 2018 foi uma disputa entre esquerda e direita, uma vez que nem o PT representa a esquerda de raiz, nem Bolsonaro encarna a direita tradicional. A comprovação da primeira assertiva requereria um texto tão ou mais extenso do que este, bastando registrar que o PT, em seus três e meio mandatos à frente do governo, favoreceu bancos e grandes empresas, as denominadas “campeãs nacionais”, e que seu apoio ao operariado foi meramente retórico, utilizando-o como massa de manobra. Quanto à direita tradicional, trata-se, como não me canso de ressaltar, de um grupo apartidário, pragmático e economicamente realizado. Suas origens remontam ao Partido Conservador do Império e seus representantes são educados, cultos, sofisticados, tolerantes, democráticos e liberais. Nenhuma semelhança, portanto, com a autoproclamada direita “pitbull” de condomínios de bairro da periferia da Zona Sul do Rio de Janeiro.

O PT perdeu, ademais, o protagonismo de partido de oposição dos seus áureos anos de militância. No último pleito municipal, os eleitores das capitais, descontentes com o governo, não votaram em candidatos do PT, que sequer passaram para o segundo turno, mas contra os que foram apoiados por Bolsonaro, independentemente de partidos. Por outro lado, novas lideranças de “esquerda” (sempre entre aspas, no caso do Brasil) despontaram, como foi o caso de Guilherme Boulos (PSOL), em São Paulo, e de Manuela d’Ávila (PCdo B), em Porto Alegre. Fica patente, portanto, que o PT, enquanto não renovar suas lideranças e não realizar o mea-culpa que dele se espera, chegará às eleições de 2022, apesar das 56 cadeiras conquistadas na Câmara dos Deputados e das 6, no Senado, na mesma posição em que se encontra atualmente no Congresso Nacional, ou seja, sem rumo e paralisado. Na atual disputa pelas presidências da Câmara e do Senado, sem candidatos que possa chamar de seu, o PT presta apoio a Baleia Rossi, do MDB, e a Senadores do DEM ou do MDB. O confronto, portanto, entre petistas e antipetistas, que empolgou as eleições de 2018 e no qual Bolsonaro nadou de braçada, dificilmente se repetirá em 2022.

Ao definir os Prefeitos que tomaram posse no último dia 1º, o eleitor demonstrou ainda que se afastou de aventureiros, amadores e populistas, reconduzindo os campeões de popularidade e dando preferência a figuras tarimbadas na política, experientes na condução da “res publica”. Bolsonaro, mais uma vez, não se enquadra no perfil. Integrante do “baixo clero”, ou seja, aquele grupo de Deputados que se acotovelam no fundo do plenário da Câmara, Bolsonaro exerceu mandato parlamentar por 27 anos, saltitando entre 8 partidos políticos. Apresentou 170 projetos de lei, como, entre outros, os altamente relevantes que homenageia o falecido ex-Deputado Enéas Carneiro, que autoriza aplaudir a bandeira nacional após a execução do hino nacional e que proíbe o uso de nome social para travestis e transexuais nos boletins de ocorrência e instituições de ensino. Apenas dois foram aprovados. Jamais teve qualquer experiência executiva e se limitava, histrionicamente, a dar declarações polêmicas e a manter atitudes politicamente incorretas.

Sua carreira caminhava, portanto, tranquilamente, para o ocaso quando, por um passe de mágica, descobriu a varinha de condão denominada “redes sociais” que aprendeu, juntamente com os filhos, a manipular eximiamente, auxiliado pelos militares, ainda agradecidos pela luta que o Capitão travou em prol do aumento de seus salários, ativismo que lhe valeu uma aposentadoria precoce. Em um lance de oportunismo, acirrou, em seguida, a batalha com seus velhos “moinhos de vento”, ou seja, o ex-Presidente Lula e o antipetismo, exacerbado pelo repúdio à corrupção, a cujo combate, no entanto, não soube dar prosseguimento em seu governo. Bingo! Estava armada a campanha dos 58 milhões de voto, durante a qual delegou, declarando-se leigo na matéria, a plataforma mais importante, ou seja, a da economia, a seu “Posto Ipiranga”, o também inexperiente economista Paulo Guedes. A fatídica facada que recebeu, em comício de Juiz de Fora, blindou-o, oportunamente, dos debates com os demais candidatos. Elegeu-se, assim, para a Presidência da República, um cidadão praticamente desconhecido. Lembra o Mr. Chance, magistralmente interpretado por Peter Sellers, na película “Muito Além do Jardim”, sem, obviamente, a candura do personagem.

Finalmente, em recente entrevista ao Correio Braziliense, à semelhança dos prognósticos de videntes a cada início do ano novo, o Deputado e titular do recriado Ministério das Comunicações Fábio Faria, cujo principal atributo, na avaliação de Bolsonaro, é ser filiado ao PSD, integrante do Centrão, grupamento que o Presidente da República deseja cooptar com verbas e cargos, declarou que “o governo não recebeu nenhum recado das urnas” nas eleições municipais de 2020, uma vez que o Presidente não apoiou candidatos. Crivella e Russomano, entre outros, ficaram, assim, pendurados na brocha e as lives que foram feitas em favor de ambos não passaram de obras de ficção científica. Há pouco menos de dois anos das eleições de 2022, o Ministro acredita, outrossim, que a centro-direita, que saiu fortalecida das urnas, não terá tempo de articular uma candidatura de oposição e que o embate será novamente entre Bolsonaro e o PT. Ora, além dos argumentos, acima apresentados, que contradizem tal expectativa, para que tal polarização seja reeditada, será necessário que Bolsonaro reconquiste pelo menos 13,5 milhões de votos e que a inelegibilidade de Lula seja anulada, cenário para o qual o Presidente da República, contra todas as probabilidades, vem colaborando, em proveito próprio, ao desconstruir a Lava-Jato.

O Deputado desqualifica, em seguida, outros possíveis concorrentes de Bolsonaro: “o ex-juiz Sergio Moro saiu do jogo político ao migrar para a iniciativa privada e se envolver em conflitos de interesse”, sem especificar quais ou considerar que tal situação pode ser revertida muito antes de outubro de 2022; João Doria “desgastou-se por causa de uma sucessão de traições”, novamente sem especificar quais, além dos notórios desentendimentos com Bolsonaro, temeroso de enfrentá-lo na disputa, e o fato do Governador de São Paulo ter se antecipado ao governa federal na oferta de uma vacina contra a covid-19; quanto a Luciano Huck, condenou-o, sumariamente, a continuar como apresentador de tevê, enquanto Rodrigo Maia “é um grande articulador político, mas não tem votos”. Na língua inglesa, há uma expressão idiomática, intraduzível ao pé da letra, que se aplica às declarações e previsões de Fábio Faria: “wishfull thinking”, “pensamento ilusório” ou “desejoso”, ou seja, a capacidade de elencar e interpretar os fatos de acordo com seus mais íntimos anseios e convicções, independentemente da realidade. Trata-se, em última análise, de exercício tendencioso de adivinhação.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *