Protocolo de Boas Intenções

O escritório de advocacia do meu avô, onde trabalhei como solicitador (antigo título conferido, a partir do 2º ano, a alunos do curso de Direito, que lhe permitia exercer certas funções advocatícias), prestava serviços a proprietários de escolas particulares do Rio de Janeiro. Certa feita, um estudante foi expulso do colégio que frequentava, tendo em vista crimes, devidamente comprovados pela direção do estabelecimento, que vinha perpetrando nas dependências da escola. Ato contínuo, o pai do rapaz, um notório contraventor, entrou na justiça, solicitando a reintegração do filho e uma pesada indenização por danos morais.

O escritório logo convocou uma reunião entre o diretor do colégio, dois professores, o pai do aluno e seu advogado. Os primeiros a falar foram o diretor e os professores que colocaram na mesa pesadas acusações. Em seguida, o contraventor, de jaquetão, gravata e lenço de seda no bolso do paletó, limitou-se a dizer, desdenhosamente, em português claro e castiço, que nós, como advogados, deveríamos saber melhor do que ele que crime só se configurava mediante flagrante. O resto eram indícios, suspeições e investigações a serem comprovados e encerradas pelas calendas gregas. Caso a escola desejasse, que fosse dar parte do ocorrido à polícia. Os danos morais foram “perdoados”, o garoto foi readmitido e, até onde pude acompanhar o caso, nada lhe aconteceu.

O fato ocorreu há mais de 50 anos, mas o desamparo da Justiça e dos órgãos de repressão ao crime continua o mesmo. Do Supremo Tribunal Federal à mais interiorana delegacia de polícia, exceção feita à Lava-Jato, cujo fim foi anunciado por Bolsonaro (“não tem mais corrupção no governo”). Flagrante? Só se o policial testemunhar a entrada do ladrão no banco e a dinamitação do cofre. Caso seu focinho fique estampado nas câmeras de segurança, o meliante passa a ser o “suposto” autor do crime. Investigação? Segundo o Relatório Meta 2 do Conselho Nacional de Justiça, apenas 5 a 8% dos homicídios no país são solucionados. O resultado é que o Brasil tem uma das maiores populações mundiais de suspeitos.

Um Supremo Tribunal Federal que, infenso à condenação de políticos com foro privilegiado, manda investigar para, em seguida, arquivar o processo. Investigações que se arrastam por anos e são invariavelmente sujeitas a influências políticas que as desvirtuam ou as encerram sem chegar a conclusões. Uma conjunção, entre outras, perniciosa que me permite estar convencido de que a impunidade no Brasil, onde ainda se discute se condenados em segunda instância podem ser presos, resulta de um protocolo de boas intenções entre a bandidagem e o establishment brasileiro.

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