Entre minhas revistas favoritas, a Veja é uma na qual passo os olhos, a fim de selecionar o que me interessa, tendo em vista a impossibilidade de lê-la integralmente. A Veja da semana passada (edição 2961, de 12/09/2025), dedicada, em boa parte, a Bolsonaro, sua biografia, evolução (ou involução) política, condenação por tentativa de golpe de estado e sucessão, mereceu, no entanto, uma atenta leitura. Destaco o excelente resumo do jornalista Daniel Pereira que, contextualizando os fatos, resenhou a trajetória do capitão desde o baixo clero da Câmara dos Deputados, onde esteve por trinta anos, à presidência da república.
Não faltou menção, entre eventos conhecidos, à sua insubordinação, ao escrever, em 1986, artigo, coincidentemente publicado pela Veja, no qual se queixou dos soldos pagos aos militares, bem como à sua disposição de explodir bombas no Rio de Janeiro, inclusive em um aqueduto, a fim de obter o aumento de vencimentos pretendido, altruísmo que lhe permitiu conquistar os primeiros mandatos eletivos. Foi julgado e perdoado pelo Superior Tribunal Militar que, no entanto, determinou sua precoce passagem à reforma remunerada. O episódio lhe valeu a avaliação do General Ernesto Geisel de “mau militar”.
Emergiu, ademais, entrevista na qual o então deputado federal declarou que, caso fosse eleito presidente da república, “daria um golpe imediatamente, porque o Brasil não mudaria de verdade por meio do voto popular”. Tais lembranças apenas reforçam o pouco apreço de Bolsonaro pela democracia, seu caráter autoritário e seu modus operandi no sentido de chantagear os poderes, político, jurídico e militar, a fim de alcançar seus objetivos pessoais, o que se vivencia, atualmente, diante das ameaças e sanções de Donald Trump ao Brasil, obtidas pelo filho 03 do ex-presidente, no intuito de lograr a reabilitação política do pai.
De volta à revista Veja, a cereja do bolo encontra-se em sua última página, em artigo assinado por José Casado. Embora longa, reproduzo parte da matéria, temeroso de não poder transmiti-la com a mesma maestria do autor:
“Estava (Bolsonaro) no primeiro mandato de deputado federal, em junho de 1993, quando viajou a Santa Maria (RS) para participar de um evento militar. Ao chegar, encontrou o repórter José Mauro Batista, a quem apresentou seu receituário para resolver os problemas brasileiros: ‘Um curto período de exceção, que incluiria, entre outras medidas, o fechamento temporário do Congresso e a suspensão das prerrogativas do Legislativo por seis meses’. … O Legislativo estava ‘falido’, o que favorecia um golpe de Estado. ‘Só se dá golpe com a falência do Legislativo’, arrematou.
Quando voltou a Brasília, viu-se diante de ameaças de cassação. Pediu ajuda, sugeriram retratação. Bolsonaro foi à tribuna da Câmara. E, então, conseguiu piorar a própria situação, dizendo coisas assim: ‘A atual Constituição garante a intervenção das Forças Armadas para a manutenção da lei e da ordem, conforme previsto no artigo 142 (…) Sou a favor, sim, de uma ditadura, de um regime de exceção, desde que este Congresso Nacional dê mais um passo rumo ao abismo, que no meu entender está muito próximo…’.
Com a perplexidade dominando o plenário, o deputado baiano José Lourenço, líder conservador, se aproximou e passou a interrompê-lo. ‘Acabe logo deputado!’ – repetiu Lourenço, intimidador. Bolsonaro retrucou: ‘Estou pronto para resolver o problema aqui, por qualquer meio’. Lourenço passou a mão no paletó, na altura da cintura, e insinuou, desafiante: ‘Sei que vossa excelência é um homem valente…’
O deputado Wilson Campos, que presidia a sessão, interveio. Bolsonaro encerrou o discurso com um pedido de desculpas. Saiu do plenário, como outras vezes, premiado com a leniência institucional e sempre sob uma suave condescendência da esquerda. Está aí, de novo, à espreita da tolerância com aquilo que o país agora parece achar intolerável na política – o golpismo.”
Eis um homem coerente com sua trajetória.