Meu interesse pelo trânsito e, especificamente, pelo transporte de cargas surgiu da minha participação nos primórdios das negociações para a livre circulação de caminhões argentinos, brasileiros, paraguaios e uruguaios na zona do Mercosul. Não acompanhei as tratativas até o final, pois fui removido de Buenos Aires para Riad, mas creio que o desfecho foi positivo.
Segundo a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), o Mercosul absorveu o Tratado Internacional Terrestre entre os Países do Cone Sul que inclui, atualmente, oito países da América do Sul, enquanto negociações estão em curso com os demais. De acordo com a empresa transportadora Maxitrans, 48.000 caminhões cruzam diariamente o continente.
Obviamente, os caminhoneiros participaram das negociações a que me referi e do contato com seus representantes ficou-me a impressão de serem astronautas desbravadores em seu próprio planeta. Lamentavelmente, a categoria foi ludibriada durante quase duas décadas, incentivada a contrair empréstimos subsidiados, a fim de comprar veículos novos, diante da promessa de uma economia retumbante.
Os resultados da perversa equação todos nós conhecemos. Costumo me referir ao conjunto de mazelas que hoje aflige os caminhoneiros, empoderados, perigosamente, por uma greve que abalou os alicerces da economia brasileira, como “síndrome” e reitero que o governo pouco ou nada pode fazer para debelá-la, a não ser estabelecer um diálogo franco e reorientá-los para outras atividades.
Contudo, entre as medidas paliativas que o governo propõe adotar para apaziguar a categoria, uma merece encômio, ou seja, a eliminação do exame toxicológico para a obtenção ou renovação da carteira de habilitação. Poucos sabem que o teste, cujo preço é salgado para pessoas de média e baixa renda, é feito através de amostras enviadas aos Estados Unidos da América.
Ademais, segundo especialistas, o exame, de difícil contraprova, pode ser burlado, bastando atentar para as denominadas janelas de detecção de drogas. Conheço, pelo menos, um caso de falso positivo que custou o emprego ao motorista. Trabalhador, pai e avô de família, o prejudicado só reverteu o constrangimento, que quase ocasionou um divórcio, na justiça, mediante processo dispendioso e demorado. Sabiamente, o governo pretende substituir o exame, cuja obrigatoriedade está em vigor desde 2017, por drogômetros.
Quanto às demais medidas, como o aumento de 20 para 40 do número de pontos necessários para a perda da carteira, cuja extensão seria estendida de 5 para 10 anos, comprometem, a meu ver, a segurança da sociedade, ao implicar incentivo para que motoristas cometam, impunemente, o dobro de infrações de trânsito, bem como vista grossa às deteriorações físicas e mentais que possam sofrer em uma década. Temerário e, no mínimo, irresponsável.