“Viés da Confirmação”

Acabo de receber um vídeo muito interessante. Logotipo e música do Plantão da Globo. Em seguida, a imagem de Eduardo Cunha, prestando depoimento em uma corte qualquer, e eis que uma voz anuncia que a delação premiada que o ex-deputado e presidiário está negociando com a Justiça, a fim de abater alguns anos de condenação, inclui acusações a centenas de Deputados e Senadores, Ministros do Supremo Tribunal Federal, Desembargadores dos Tribunais de Justiça e, claro, como não poderia faltar, a Rodrigo Maia e a João Doria. Para encerrar, o próprio locutor dá o tiro de misericórdia na credibilidade da peça, ao pedir sua divulgação. O objetivo seria atingir 50 milhões de compartilhamentos. Raciocine: a Globo, solicitando que matéria contra os desafetos de Bolsonaro seja replicada?

Em Ciência Política, o expediente é conhecido como “viés da confirmação”, ou seja, a utilização seletiva de informações e fatos verídicos que, distorcidos, interpretados ou ampliados ao gosto do freguês, servem para ratificar crenças ou objetivos escusos. No caso, o uso de meio de comunicação válido, a Rede Globo, e de notícia que procede, isto é, o fato de que Eduardo Cunha está efetivamente negociando uma delação premiada. Aos dois elementos junta-se, em tom sensacionalista, a pseudonotícia de que o ex-deputado denunciou figuras que estão na berlinda no insano jogo político do Presidente da República. Prioritariamente Maia e Doria, possíveis concorrentes nas longínquas eleições de 2022 que, aliás, só se realizarão se sobrevivermos à pandemia. 

O artifício, explorado por governos comunistas, nazistas e fascistas – em suma, ditatoriais –, de forma bem mais sofisticada, diga-se de passagem, vem sendo abundantemente empregado juntamente com as “cortinas de fumaça”, também identificadas pela Ciência Política, ou seja, factoides que são lançados ao público, a fim de desviar o foco de pautas incômodas e negativas. As eleições de 2018 foram fraudadas, o Legislativo e o Judiciário conspiram contra o Executivo etc., são exemplos recentes de diversionismos que buscam “distrair” os mais incautos e manter coesa a base do governo que se alimenta diariamente de notícias forjadas em algum laboratório cibernético. O problema é que, enquanto agradam a claque governista, desestabilizam a sociedade. 

Por outro lado, o estratagema não recuperará os 16,4 milhões de votos que Bolsonaro perdeu nos últimos meses. Ao contrário. Dá a falsa impressão, ademais, de que o governo nada tem de assertivo para apresentar. Não elencarei aqui os bons resultados que o governo vem alcançando em determinadas áreas, enumerados por bolsonaristas sérios e que deveriam constituir matéria-prima para uma competente assessoria de comunicação social, com a qual, infelizmente, Bolsonaro não conta. O próprio combate ao coronavírus poderia ser utilizado como propaganda positiva, já que o Ministério da Saúde vinha se desempenhando a contento. Só que não, o Presidente decidiu substituir o titular da pasta por um soturno “Dr. No” que anda mais sumido do que máscara descartável no mercado. 

O estranho é que Bolsonaro tem à sua disposição um time de excepcionais estrategistas que só não entram em campo por respeito à hierarquia e à disciplina. O futuro cobrar-lhes-á a omissão. 

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