FEMINISNO X CAIPIRISMO

Nada tenho contra o feminismo. Ao contrário. Creio que o movimento não só é necessário como muito tem feito em prol do respeito à mulher e da igualdade de gêneros, sobretudo quanto à paridade salarial e ao reconhecimento profissional necessário à ascensão em cargos e carreiras. O problema é quando o politicamente correto transforma o feminismo em caipirismo.
Infelizmente, acabamos de presenciar um caso de caipirismo travestido de feminismo, por conta do politicamente correto, quando Chico Buarque anuncia que não mais cantará Com Açúcar, Com Afeto, música composta pelo bardo a pedido de Nara Leão que a gravou em 1967 (álbum Chico Buarque – Volume II).
A música nada mais faz do que retratar uma situação corriqueira que se repete ainda hoje, ou seja, o conformismo de uma mulher apaixonada que espera seu homem voltar da gandaia, altas horas da noite. Foi título, ademais, de um álbum de Nara Leão, lançado em 1980, e foi magistralmente interpretada por Maria Bethânia.
Trata-se, inclusive, da primeira composição em que Chico se coloca na pele de uma mulher. E não seria a última. Veja-se o caso, por exemplo, de Atrás da Porta, primeira parceria entre Chico e Francis Hime, gravada por Elis Regina, em 1972, justamente quando a cantora acabava de passar por um tórrido divórcio. É, simplesmente, o lamento de uma mulher abandonada pelo parceiro.
Ambas as músicas refletem sentimentos femininos (também poderiam ser masculinos, como no caso de Detalhes de Roberto Carlos) que nada têm a ver com as pautas feministas, uma vez que mulheres abandonadas ou apaixonadas por quem não as merece sempre existirão. Borrá-las dos repertórios equivale a proscrever Se Acaso Você Chegasse, de Lupicínio Rodrigues e Felisberto Martins, gravada por Elza Soares, por ser ofensiva aos brios masculinos:
“Se acaso você chegasse no meu chateau e encontrasse/ Aquela mulher que você gostou/ Será que tinha coragem de trocar nossa amizade/ Por ela, que já lhe abandonou?”

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