Se Estivesse no Voo

Tenho horror a voar, apesar de ser filho de piloto da Força Aérea Brasileira ou, talvez, por isso mesmo. Obrigado a fazê-lo por força da minha profissão, só conseguia entrar em um avião com alta concentração alcoólica no sangue, a ponto de, em se tratando de viagens para participar de reuniões internacionais, partir dois dias antes do evento, a fim de me recuperar da carraspana.

Inúmeras vezes, já sentado e amarrado no avião, convocava discretamente a aeromoça (creio que agora são chamadas de atendentes ou comissárias) e pedia para desembarcar, pois estava à beira de um enfarto, o que realmente acreditava que me acometeria, caso insistisse em prosseguir viagem. Recolhia minha bagagem de mão e era escoltado até a porta da aeronave, onde funcionário da empresa aérea me esperava para conduzir-me ao posto médico. A pressão arterial sistólica estava sempre acima de 15.

Me medicavam e voltava para casa ou retornava ao hotel, a fim de angariar coragem para o próximo voo, geralmente, no dia seguinte, regado a quantidades redobradas de álcool. Mesmo em voos internacionais, nunca devolveram minha mala, que era transportada, ainda que desacompanhada, e era guardada no aeroporto de destino, onde eu ou pessoa a meu pedido a retirava.

Pois bem, é exatamente o que teria feito, caso estivesse no voo da Azul que, antes de decolar, foi invadido, em Vitória, por Bolsonaro. Sua patética e injustificável materialização constituiu ruptura de todos os protocolos de segurança de voo. Assim como foi Bolsonaro, poderia ter sido um terrorista, sem que a empresa nada fizesse para impedir a abordagem. De quebra, ainda causaria pânico, ao prognosticar que o avião cairia, pois, convenhamos, o Presidente é um tremendo pé frio, pior do que freira, cuja presença a bordo é considerada aziago por muita gente.

O que restou, no entanto, de mais essa aventura presidencial foi a constatação de que a maioria dos passageiros (terceira via?) permaneceu atônita em seus lugares, enquanto pequenos grupos gritavam, em êxtase, “Fora, Bolsonaro! Genocida!” e “Mito! Mito”. Aos que o apupavam, o Presidente sentenciou que não mereciam andar de avião, mas de jegue, reforçando, uma vez mais, seu preconceito contra os “paraíbas”, conforme alcunhou os Nordestinos em passado não muito remoto. A respeito, vale citar o samba enredo de 1995 da Imperatriz Leopoldinense, tempestivamente lembrado pela jornalista Flávia Oliveira da GloboNews:

“Mais vale um jegue que me carregue, que um camelo que me derrube…”.

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